Abaixo postamos uma entrevista feita recentemente com o caçula da Família Lima. Vale a pena ler, a entrevista é muito bem feita, muito inteligente!
Caderno C
No caminho da música

Cantor, instrumentista e compositor, Lucas Lima é o principal nome por trás do novo trabalho da Família Lima, o CD e DVD Carmina Burana.
Lucas Lima é gaúcho, tem 25 anos e é conhecido internacionalmente graças ao trabalho do grupo Família Lima. Noivo da cantora Sandy, cursa o quarto ano da faculdade de música da Unicamp, onde pretende dar aulas no futuro.
Fazer e viver de música, para Lucas Lima, não foi bem a realização de um sonho. Afinal, quando começou nessa arte, era novo demais para preocupar-se com o futuro. Para ele, ser músico era o caminho natural, pois cresceu e educou-se nesse meio. A infância, vivida em Porto Alegre, foi marcada pelas aulas de instrumento ao lado do primo Allen e dos irmãos Amon-Rá e Moisés, sob a “batuta” do próprio pai, o violinista José, que educou os filhos dentro do método de ensino Suzuki — em 1983, ao lado da mulher, Lorena, o patriarca fundou a Escola de Música Tio Zequinha, voltada especialmente para crianças, que ajudou a divulgar o método no Brasil. Posteriormente, na década de 90, José, os três filhos e o sobrinho Allen formaram o grupo Família Lima, reconhecido nacional e internacionalmente pela ousada proposta de aproximar a música erudita do pop.
Além de cantor, instrumentista e compositor, Lucas vem se destacando como arranjador e produtor. Aos 25 anos, ele encabeçou o novo projeto da Família Lima: o CD e DVD Carmina Burana, em homenagem aos 70 anos da famosa cantata composta por Carl Orff. Nesse trabalho, Lucas mostrou que vem assumindo a “batuta” do grupo ao cuidar de toda a produção, dos arranjos e da direção geral, além de compor, tocar guitarra, viola erudita, viola popular e flauta transversal.
Quem conhece os trabalhos anteriores da Família Lima (leia mais nesta página), vai se surpreender com o novo CD, que traz 24 composições — com trechos da cantata, além de músicas próprias como Inverno (eleita a primeira música de trabalho do projeto), Silêncio e Sombra na Parede e músicas de outros compositores eruditos, como Rimsky-Korsakov (O Vôo do Besouro, da ópera Czar Saltan) e Verdi (Va Pensiero, ária da ópera Nabucco. O trabalho também está disponível na internet (www.familialima.com.br).
No quarto ano da faculdade de música da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e noivo da cantora Sandy, o jovem músico recebeu a reportagem do Caderno C em sua casa, em Vinhedo, onde mora há cerca de oito anos com os pais e o primo Allen, para um bate-papo. O assunto principal? Música, claro. Confira os principais trechos abaixo.
Agência Anhangüera de Notícias — Quando foi que você decidiu fazer faculdade de música?
Lucas Lima — Em 2003 me deu muita vontade de fazer um curso superior. No começo te confesso que era mais pelo conceito de ter uma faculdade. Eu prestei música e administração. Infelizmente, hoje em dia, em muitos casos, é muito melhor tu saber administrar do que saber tocar. Fiz supletivo na Unicamp mesmo, aí prestei o vestibular e passei. Desde 2004 estou lá.
Você sofreu algum tipo de preconceito na faculdade, por fazer parte de um grupo que mistura o erudito ao pop?
Olha, eu esperava. Fui preparado para isso. Não aconteceu absolutamente nada. Os professores sempre foram muito legais comigo. Perto deles, eu sou um peixe muito pequeno. Alguns gostam, outros não gostam, mas nenhum deles me desrespeitou. Até porque todos eles não gostam de trabalhar com o conceito de certo e errado.
Qual é a sua expectativa com a faculdade?
Meu objetivo de vida, daqui a uns 15 anos, é dar aula na Unicamp. Queria muito parar com shows grandes e fazer coisas mais intimistas, trabalhar com produção, escrever arranjos. Quero seguir também a área acadêmica.
O palco cansa muito?
O que cansa é o entorno. Não gosto de viajar. Tenho várias contradições entre o que faço e o que realmente gosto de fazer. Não gosto muito de viajar, mas minha profissão é a que mais exige isso, assim como não gosto de notoriedade. O palco é a parte mais legal. Toda a viagem e o hotel são as coisas que me incomodam um pouco. Eu gosto muito de rotina. Por mim, eu dormiria e faria minhas coisas sempre no mesmo horário.
Você tem muitos rituais no dia-a-dia?
Eu gosto das coisas bem organizadas. Detesto quando algo que eu tinha planejado não dá certo. Várias vezes, antes de dormir, eu escrevo todas as coisas que tenho que fazer no dia seguinte, desde tomar banho (risos). Gosto de organizar tudo bonitinho.
Como foi que você se tornou o mentor do novo projeto da Família Lima?
A gente nunca teve o sonho de ter uma banda e nunca sonhou em ter um contrato com uma gravadora. Quando viu, já estava numa banda e já estava com um disco gravado. As coisas sempre foram acontecendo. Esta foi a primeira vez que a gente sentou e planejou as coisas. Por isso consumiu dois anos de trabalho e exigiu que a gente se retirasse da mídia para limpar a imagem e não chocar o público com esse novo trabalho. Entre montar um conceito e todo um caminho, tivemos que ter algum ponto de referência. Eu assumi isso porque eu era o que estava mais a fim na hora.
E você acabou tomando as rédeas do projeto?
Descobri que até eu entrar na faculdade eu gostava muito de música e que só depois eu passei a amar a música. Eu tinha contato com música desde pequeno, era uma rotina e, quando vi, virou profissão. Desde que comecei a ter um contato mais profundo com outras vertentes de música e com a parte filosófica e conceitual que envolve uma obra, fiquei inspirado em fazer um trabalho também coerente e coeso. Quando vim com a idéia, todos me apoiaram.
Como surgiu a idéia do DVD com making of?
Foi uma idéia minha. Hoje, mais do que em outras épocas, a música está muito agregada à parte visual. Não adianta, o ouvido não pode competir com o olho. A gente nasceu na era do videoclipe, então, o apoio visual é muito importante. Como consumidores de DVD que somos, do que mais gostamos? Dos extras. Então a gente fez um DVD só de extras. Quando o cara vê o processo e o trabalho que dá para fazer um disco, ele tende a valorizar mais o disco.
O que mais mudou na sua relação com a música depois de entrar na faculdade?
Eu tive contato com softwares e programas de música que eu não conhecia. Eu era muito ignorante nisso.
Apesar de ter estúdio em casa?
Eu não mexia nesses programas. Comecei a mexer porque precisei fazer trabalhos para a faculdade. E curti muito.
Você ficou mais exigente para ouvir música?
Quando se estuda música, a gente fica mais exigente. Mas tem também o outro lado. Todos os caras que estudam e conhecem bastante música ouvem coisas que não têm nada a ver com o que deveriam gostar. Porque tem um lance que vai muito além do consciente. Tem muita música que eu ouço e gosto... puxa, eu ouço Avril Lavigne, entendeu? Eu ouço e fico feliz. Se eu analisar, não tem nada de refinado. Mas também não gosto de dizer se uma música é boa ou ruim.
Isso vale para os críticos?
O crítico nunca consegue ser imparcial. Ninguém consegue. Todo crítico, quando vai fazer resenha de qualquer obra, está escravo da própria opinião. Acho importante que as pessoas tenham consciência de que um texto crítico não é a verdade, mas a visão de alguém, o que acho legal. É importante ter gente pensando música em diversos níveis.
Que tipo de música te dá mais prazer de ouvir?
Rock e erudita. De rock gosto do Silverchair, System of a Down e Incubus. De erudito, Messian, Berg e Brahms.
Durante o processo de criação, há muitos aspectos que fogem ao controle?
Eu sempre tendo a fugir um pouco da parte esotérica da música porque acho que nós músicos temos de pensar, trabalhar e estudar muito, mas que existem outras coisas, existem. Senão eu só iria pegar as dez músicas de maior sucesso e ficar repetindo as mesmas fórmulas. Não me arriscaria nunca.
Não é o que a indústria fonográfica tenta fazer com os artistas?
Ter liberdade de criação sempre foi uma coisa difícil dentro dessa estrutura da indústria fonográfica que agora está quebrando. Essa estrutura muitas vezes podou os artistas porque o lucro estava em primeiro lugar. Isso foi o que levou muita gente a seguir carreira independente. Nosso novo disco (Carmina Burana) não sairia por gravadora nenhuma. Porque não foi barato e porque mistura música erudita com estilos mais populares e é cantado 70% em latim.
Como vocês estão lidando com esse novo mercado?
A gente não pode competir com a pirataria. Quem compra pirata vai continuar comprando pirata. Acho que podemos garantir nosso espaço oferecendo um produto de qualidade, dando acesso ao disco. Acreditamos também na educação, mas isso leva tempo. Se para tudo o que se tem na vida a gente tem que pagar por que não para a música? Por que não para a arte, que é o que dá um pouco de sentido para a vida?
Na música Sombra na Parede, você canta que definição é limitação. Que tipo de definição você não suporta?
Acho que o nosso trabalho é tão cheio de influências que toda definição é válida e nenhuma é certa. Mas, como não dá para escapar disso, a definição que eu acho válida é a mescla da música erudita com o jazz, o rock e a música eletrônica.
Que nome você daria a essa mescla?
Esse é um desafio para os críticos. Meu trabalho é fazer música.
Você já ficou chateado com alguma crítica?
Quando escreveram sobre o disco Pra Você e pediram para o leitor gastar o tempo com outra coisa. Esse tipo de crítica incomoda, pois não fala da parte musical. Focar nisso ou na minha noiva (a cantora Sandy) e esquecer da música é ignorar meus quase 22 anos de estudo musical. Eu acho isso uma sacanagem. A melhor maneira de se fazer uma crítica hoje é conversando com o artista. A maneira de tu avaliar um projeto ou uma obra de arte é avaliar a distância entre a intenção e o resultado final.
Você e seus irmãos ainda são muito confundidos na rua, por serem parecidos?
Quando todo mundo tinha cabelo comprido era pior. A gente ainda se apresentava com a mesma roupa. Uma vez a gente chegou em um hotel em São Paulo, saindo do elevador tinha uma menina japonesa. Ela olhou para nós e comentou: “Depois dizem que japonês é tudo igual”. (risos)
Para terminar, quais são seus livros preferidos?
Ilíada, de Homero, que eu li quando tinha 16 anos, O Senhor dos Anéis, do (J.R.R.) Tolkien, e Musashi (de Eiji Yoshikawa). Gosto de sagas, de sofrer com os personagens.
Por Carlota Cafiero
DA AGÊNCIA ANHANGÜERA
carlota@rac.com.br